Julho 2023

Fincher lançou 'A Rede Social' em 2010, mas demorou mais de uma década para que esse filão do tal "cinema das coisas" começasse a se consolidar. Assim como Ben Affleck extraiu o ótimo 'Air' de uma negociação com a Nike, o canadense Matt Johnson também alcança resultado semelhante ao esmiuçar a ascensão e a queda de um celular. Bem dosado no tom que confere ao filme, Johnson (que faz Doug Fregin) nos leva por uma dramédia corporativa sempre focado nos seus tragicômicos personagens.

2jul23 aldebaran pen drive tarde ★★★½ score: 76

Lembro-me de ter assistido ao remake de Hugo Carvana nos anos 1990 sem ter curtido tanto assim. O original de Roberto Santos a partir de um argumento do mineiro Fernando Sabino é outra experiência. Pega o mítico casal de 'Todas as Mulheres do Mundo' (1968), Leila Diniz e Paulo José, e explora o fiapinho de premissa num registro realista, mesmo sendo uma comédia, da hipocrisia do comportamento social brasileiro. Não digo nem à época, porque me parece que muita coisa ali continua valendo. Talvez o filme se alongue um pouco, porém Santos consegue de forma astuta nos manter nessa, digamos, insólita situação.

3jul23 aldebaran youtube madrugada ★★★½ score: 75

Baseada na webcomic/graphic novel de Nate Stevenson, essa animação traz uma premissa simples mas que, de forma absorvente, mistura elementos de fantasia medieval e futuristas. Quem dirige é a dupla Nick Bruno e Troy Quane, do mais-ou-menos 'Um Espião Animal' (2019), e, para o hate dos haters, consegue ser inteligente e representativa numa naturalidade muito bem-vinda e arejada. Gostei muito da vibe da produção. 4jul23 aldebaran netflix madrugada ★★★ score: 73

Dividiu com 'A Mãe e a Puta' o prêmio FIPRESCI em Cannes. Ou seja, o filme do italiano Marco Ferreri é daqueles que nunca será consenso, pra um ou outro lado. Não chegamos a saber os motivos de cada personagem optar pelo suicídio gastronômico entre amigos. Eles seriam realmente amigos? O elenco de linha confia no realizador e se entrega a essa escatologia, não bíblica mas gráfica. Intriga mesmo é a personagem de Andréa Ferréol, revezando diferentes arquétipos enquanto testemunha in loco o fim perverso e depravado que funciona como uma sátira social para um público, lá vem o trocadilho, de estômago resiliente.

6jul23 aldebaran pen drive tarde ★★★ score: 69

Essa ciranda de montagem dinâmica por entre o quarteto de "conhecidos" que se encontram após o trabalho até tem seus excessos e indulgências, contudo traz um frescor e uma energia que reverberaram bem comigo. O diretor estreante Saul Metzstein trabalhou com Danny Boyle em 'Cova Rasa' e 'Trainspotting' e teve seu registro da atmosfera da juventude adulta de Glasgow com frequência colocado em comparação. Justo. Só não se engane, a comédia de Metzstein e do roteirista Jack Lothian é plenamente capaz de ecoar por si mesma.

7jul23 aldebaran belas artes à la carte tarde ★★★ score: 68

'Você está em casa. Pra sempre.' Com uma tagline dessas, não tinha a menor possibilidade de eu assistir a esse pesadelo surrealista da vida no subúrbio durante a pandemia. Nem a pau. E o filme dirigido e coescrito por Lorcan Finnegan nem é ruim. Mas também não chega a ser interessante, apesar do esforço do design de produção. A sessão vibra numa frequência que, não sei, não me bate bem. E olha que o lockdown da covid já passou há três anos.

8jul23 aldebaran mubi madrugada ★★ score: 56

Às vezes acho mesmo que Tarantino tem razão quando diz que a década de 1950 possui a pior safra da história do cinema. Baseado no livro de Max Catto, esse triângulo amoroso em cima de um trapézio tem, claro, suas qualidades e curiosidades, porém passa longe de ser minimamente memorável. E olha que traz Gina Lollobrigida como pivô entre Tony Curtis e Burt Lancaster, este revivendo seus dias de acrobata de circo. As únicas acrobacias que chamaram minha atenção foram as da câmera dirigida por Carol Reed. E ainda assim rodopiando debaixo da rede de proteção.

11jul23 aldebaran pen drive manhã/tarde ★★½ score: 63

O filme pandêmico de Wes Anderson. Um desfile classe A de rostos conhecidos confinados nesse deserto sem contraste do tratamento de imagem. Que me desculpem os e as 'wesandersonzetes', mas aqui o indefectível realizador, mais do que nunca, pôs a narrativa completamente a serviço de sua estética. Ora há até bons ecos de Jacques Tati, outro cuja assinatura estética era a vitrine de suas produções. Tirando isso, sobra talento tentando acertar o timing do chefe num puro autoexercício de estilo.

12jul23 aldebaran pen drive madrugada ★★½ score: 64

Os Decepticons saem um pouco de cena para abrir espaço aos Maximals, ou transformers animais. E o engraçado mesmo é que quando você não leva a sério uma coisa termina perigando não achá-la tão ruim o quanto soa, e, quem sabe, até se divertindo. Na medida do possível. Steven Caple Jr. dirigiu 'Creed II' e um episódio da série de animação da franquia da Hasbro, então consegue nos fazer gerar alguma empatia pelos personagens humanos. O triste é quando percebemos que o verdadeiro interesse da produção é tão somente ser uma ponte comercial para um crossover. Que, claro, deve interessar a alguém. Genuinamente. Eu suponho.

13jul23 aldebaran pen drive madrugada/manhã ★★ score: 58

Christopher McQuarrie chega o mais próximo, nessa sua terceira realização na (adaptação da) série, de equilibrar uma punção séria e urgente com o humor que torna a experiência, de quase três horas, absorvente. É cinema de massa, calculado como um algoritmo - a inteligência artificial é a atualíssima vilã da vez - para entreter. Set piece atrás de set piece, o que prolonga a duração sem grandes movimentos estruturais. A perseguição de carros na Itália. A perseguição a pé em Veneza. Aeroporto. Trem. Tudo dilata a diversão, claro, embora dividir em duas partes é só um chato truque comercial. A decupagem do tão alardeado salto de moto/paraquedas feito pelo próprio Tom Cruise me decepcionou. Não faz jus a todo o preparo vendido como teaser. A queda do trem copia 'De Volta para o Futuro 3' e, mesmo assim, se sai muito melhor. Bem como a sequência, essa sim ótima, dos vagões despencando. E a câmera descobrindo maneiras de manter o espectador na briga confinada numa passagem estreita. Uma pista de onde pode estar escondido, para mim pelo menos, o verdadeiro ouro.

14jul23 cine teresina 5 tarde com regina ★★★ score: 73

Há filmes que, embora o estejamos assistindo pela primeira vez, parece que estamos revisitando. E nem me refiro à história ou à temática - a velha impressão de 'claro, já vi isso antes' -, mas à atmosfera, à sensorialidade nostálgica que mais tem a ver com a época da produção, e com os atores que reencontramos em versões mais jovens. Don Johnson, Susan Sarandon, Jeff Daniels, Elizabeth Perkins. A direção de Robert Greenwald, sem filmar para o cinema desde 'Xanadu', não chama atenção para si, deixa o texto de Ernest Thompson (Oscar por 'Num Lago Dourado') ser a bússola desses momentos que o enredo registra. Um casal em crise enquanto outro se forma. No geral, nada demais. É a ambientação de cidadezinha e o afeto entre amigos, já adultos e pais, que tentam compensar todas as indulgências que o filme traz.

16jul23 aldebaran hbo max madrugada/manhã ★★½ score: 61

Timité Bassori tinha 32, quase 33 anos, quando saiu esse que, ao longo da História, se converteu num clássico da produção cinematográfica da Costa do Marfim. E ele perpassa toda a aparente crueza narrativa de maneira assertiva e muito particular para elaborar a temática do colonialismo. O rapaz que volta da Europa com ar sofisticado, mas não consegue se relacionar direito por conta de uma aparição fantasmagórica que o ameaça. Um duplo feminino seu do outro lado? Um trauma inconsciente reverberando, como no giallo italiano? Bassori vai do misticismo à psicanálise sem pestanejar muito.

16jul23 aldebaran mubi tarde ★★★ score: 68

Documentário expositivo sobre a complexa figura que dirigiu o Projeto Manhattan, iniciativa cercada de controvérsia e que deu ao mundo a arma que literalmente pode - ainda/mais do que nunca - causar sua total destruição. De depoimentos de cientistas, historiadores, escritores, cineastas (no caso, Christopher Nolan), passando por um neto e uma sobrevivente da terrível explosão em Hiroshima, ao próprio Oppenheimer, em imagens de arquivos, na famosa citação do Bhagavad Gita e transparecendo a melancolia que carregou consigo o resto da vida. Didático e, "paradoxalmente", urgente.

17jul23 aldebaran pen drive noite/madrugada ★★★ score: 73

Primeira produção a encenar o Projeto Manhattan e a bomba de Hiroshima. Lançado em fevereiro de 1947, pouco mais de um ano e meio após o fim da Segunda Guerra Mundial. O próprio General Leslie Groves (Brian Donlevy no filme) foi consultor e mesmo o título foi (involuntariamente?) sugerido pelo então presidente Harry Truman - o mote ficcional é a produção ter sido guardada numa cápsula para ser assistida em 2446. Embora esteja tudo aí, a narrativa dirigida por Norman Taurog sofreu muito com interferências de Washington e do Pentágono, absorveu intencionalmente algumas imprecisões históricas e não foi tão bem nas bilheterias. Mas, de uma forma ou de outra, é um docudrama que guarda esse registro terrível da época.

18jul23 aldebaran youtube madrugada ★★★ score: 68

Rolland Joffé e o corroteirista Bruce Robinson (indicado ao Oscar pelo roteiro de 'Os Gritos do Silêncio') recriam o Projeto Manhattan e o Teste Trinity focando na relação entre o General Groves (Paul Newman) e Oppenheimer (Dwight Schultz). E se a ideia era explorar essa interação de forma shakespeariana - Oppie seria Hamlet e Groves seria uma espécie de Iago - a coisa ficou na intenção mesmo. Ainda assim o filme possui seus méritos, tentando não ser chapa branca quanto aos personagens - o caso Jean Tatlock é abordado e um pouco de como era a atmosfera de Los Alamos. Pena que caia na tentação de criar um romance ficcional, John Cusack e Laura Dern, ao invés de aprofundar questões mais pungentes ao uso da bomba.

18jul23 aldebaran pen drive tarde ★★★ score: 66

OS SENHORES DO HOLOCAUSTO

Foi a crítica da dama ácida Pauline Kael sobre 'O Início do Fim', do mesmo ano, que me fez chegar nesse made-for-tv que, de maneira geral, me soa mais equilibrado e acurado acerca dos vários eventos e personagens envolvidos na confecção, teste, questionamento moral e lançamento da bomba atômica. Mas ainda longe de ser uma grande experiência. Joseph Sargent se preocupa em contemplar o máximo de momentos sem sacrificar o ritmo ou parecer didático demais, como um pré-Wikipedia audiovisual. Brian Dennehy é um Groves melhor do que Paul Newman e David Strathairn ensaia um Oppenheimer mais angustiado. A produção foi premiada com um Emmy.

19jul23 aldebaran pen drive madrugada ★★★ score: 70

Há uma energia distinta quando podemos conferir testemunhos de cientistas do próprio Projeto Manhattan e de pessoas próximas a Robert Oppenheimer. Esse documentário de Jon Else indicado ao Oscar teve a colaboração no roteiro de David Webb Peoples ('Blade Runner', 'Os Imperdoáveis').

19jul23 aldebaran youtube manhã ★★★★ score: 78

O operístico estudo de personagem sobre o "pai da bomba atômica" mostra um Christopher Nolan tão seguro do próprio estilo a ponto de modelar uma cinebiografia de três horas a essa unidade estética. E não deixa de ser excitante testemunhar um cineasta no aparente auge do seu domínio narrativo, amadurecendo as ferramentas de sua assinatura, embora, vale registrar, não as tenha inventado, e sim apropriado e, certamente, personalizado. Das partículas subatômicas como inserções pipocando na tela durante a primeira parte elíptica do filme, a trilha de fluxo quase ininterrupto composta por Ludwig Göransson até a já famosa explosão sem recursos gráficos, ao crosscutting ganhando força dramática na parte na parte final. Tudo a serviço do tal roteiro em primeira pessoa que adapta o catatau de Kai Bird e Martin Sherwin, 'Prometeu Americano', e do scope gigantesco paradoxalmente atraído para o close de um Cilliam Murphy operando sempre internamente. Mas a contraparte feita por um irreconhecível Robert Downey Jr. é igualmente fantástica. O que dirá convencer atores oscarizados a ser mais uma ligeira, porém fortemente pontuada, participação no mar do notório casting? Assim pulsa o "conto de advertência" de Nolan que ecoa no instável mundo atual: um tratamento em larga escala do peso moral e existencial de tornar-se a "morte, a destruidora de mundos".

20jul23 cinépolis rio poty - sala vip 3 tarde estreia com regina ★★★★ score: 79

#BARBENHEIMER

A essa altura, pode-se afirmar sem medo que a comédia/fantasia de Greta Gerwig/Margot Robbie é um fenômeno de estreia. Deixou tudo rosa durante o 'Barbenheimer', a contraprogramação - nos EUA, é o famoso 'double feature' - dividida com 'Oppenheimer' na qual quem venceu foi o espectador. Pelo menos aquele que não se deixou escolher um, mas ambos. E enganou-se quem pensava que o live action da boneca da Mattel seria essa experiência de fácil digestão. Pelo contrário, a produção transborda um leque de leituras ao gosto do cliente por baixo da roupagem lúdica e colorida (50 tons de rosa?) de uma comédia musical satírica-pastelona-irônica. Mexe com a maioria dos ismos atuais de forma acidamente aguda, graças ao roteiro autoconsciente de Gerwig e Noah Bambach - se não isenta nem a própria Mattel, que dirá do feminismo e do patriarcalismo. Fora as referências cinéfilas a Kubrick, Gene Kelly, Jacques Demy (...a lista segue). Fora a Barbie Estereotipada de Margot Robbie entrando em crise existencial após pensar na morte e indo dolorosamente descortinar o véu da realidade. Fora o timing fantástico de Ryan Gosling como a representação patética masculina de Ken. Narrativamente há tropeços de autoindulgência - os arcos periféricos da unidade dramática soam apenas representativos. Todavia nada que, à primeira vista, seja capaz de barrar a onda rosa que está atropelando todas as outras cores.

20jul23 cinépolis rio poty - sala 9 noite estreia com regina ★★★½ score: 77

#BARBENHEIMER

A estreia de Bogdanovich na realização de longas traz essa atmosfera carregada, e ele já demonstra a predileção pela trilha sonora diegética (que usa de forma magistral em 'A Última Sessão de Cinema', 1971), e a notória anedota de bastidores: Roger Corman, produtor executivo (não creditado), queria que usasse trechos do seu 'Sombras do Terror, 1963, e apenas duas diárias com Boris Karloff. O lendário ator gostou do roteiro, com um tratamento burilado por Samuel Fuller, e topou filmar cinco diárias. E é justamente a presença de Karloff que nos leva a dar atenção ao que o jovem cineasta quer construir com as duas histórias que seguem para um cruzamento seco e inquietante num drive in lotado.

22jul23 luís correia macbook tarde/noite ★★★ score: 68

Até posso me esforçar para entender o sentido por trás da tradução do título, mas 'A Ofensa' possui muito mais camadas do que a terrível relativização brasileira. E é precisamente disto que é feito este pesado e adulto drama policial: camadas. A progressão do roteiro de John Hopkins começa num pace investigativo, mas logo quebra essa falsa lógica estrutural com três longuíssimas cenas nas quais Lumet arranca uma impressionante intensidade dramática de Sean Connery. E não, não cansa, e sim nos prende pelas camadas de ressentimento e frustração que o protagonista vai soltando. Primeiro com a esposa (Vivien Merchant), depois com o investigador (Trevor Howard) e por último com o suspeito (Ian Bannen) de estuprar e matar várias jovens. Tenso e hipnótico, cutuca os limites sombrios da natureza humana.

23jul23 luís correia macbook tarde/noite ★★★ score: 73

O original norueguês coescrito e dirigido por Erik Skjoldbjærg, que em seguida iria para os Estados Unidos fazer 'Geração Prozac' com Christina Ricci, já traz praticamente todos os elementos e plot points explorados no remake estadunidense. Os dias sem noite. A culpa do protagonista. O jogo de chantagem com o assassino. Ao contrário do filme com Al Pacino, o personagem de Stellan Skarsgård é melhor trabalhado em suas zonas cinzentas. Algo que o puritanismo hollywoodiano nunca teria peito para importar, compensando, ao invés disso, com a história da investigação de má conduta, ou coisa parecida, pela corregedoria.

24jul23 luís correia macbook noite ★★★ score: 71

Sim, só agora conferi essa estreia de Nolan na escrita e direção de longas. Já tinha visto seu curta anterior, 'Bomba Voadora', com o mesmo Jeremy Theobald que faz o protagonista aqui. Um aspirante a escritor que segue pessoas na rua em busca de, o que, inspiração? Mas essa ideia é só o gatilho para um exercício narrativo com os elementos que consolidariam sua assinatura, como a temporalidade entrecortada, um golpe dentro do outro. O que acho mais interessante é a maneira o jovem realizador - com então 28 anos - usa a falta de orçamento a favor da própria construção diegética. Um filme tátil metido a espertinho.

26jul23 luís correia macbook tarde ★★★ score: 73

Foi Gene Corman, irmão de Roger Corman, quem a princípio convenceu a MGM a bancar esse estreia de Paul Bartel, um diretor underground novaiorquino. Também conhecido como 'Relação Sanguinária', o filme, ao invés de ser ruim como poderia aparentar, acaba sendo uma curiosa experiência alçada a cult em certas bolhas. Um bizarro exploitation que transforma a velha casa de 'Psicose' num hotel barato cheio de figuras estranhas.

29jul23 aldebaran pen drive madrugada/manhã ★★½ score: 59